terça-feira, 29 de maio de 2007

Nova História da Arte

O dia em que o Hip Hop virou a arte

A noite caia e o frio acompanhava a escuridão na mesma intensidade, era dia 28 de maio, 19 horas. Um momento histórico para o Hip Hop brasileiro foi protagonizado no grande teatro do Museu de Arte de São Paulo (MASP).

O quarteto de Rap paulistano H2P subiu ao palco do teatro e pela primeira vez o Rap pôde mostrar a cara no centro da “grande arte”. Local criado para receber os grandes nomes da pintura, da arte, do belo, da estética.

As portas do MASP sempre ficaram entre-abertas para qualquer pessoa, bastando o espectador ter um bom senso de percepção estética. Isso a educação é responsável por criar. Há apenas um problema nessa equação: a educação pública no nível básico não consegue nem chegar perto de formar minimamente senso crítico (em alguns casos, como já mostrado pela grande mídia no Estado de São Paulo, e que é mais grave, a educação pública não consegue nem ensinar a ler e escrever), imagine então incutir percepção estética para a arte!

A arte dominante está exposta naquele museu e os freqüentadores, via de regra, são os dominantes, os que legitimam a arte como arte, seja ela qual for, ou seja, a burguesia que tem poder para dizer que isso ou aquilo é arte freqüenta os museus como o MASP e faz desses espaços, lugares em que apenas a arte deles esteja presente. A arte pela história já enveredou por muitos lugares diferentes, passou por diversas transformações, criou seus meios de se reproduzir e se legitimar, têm seus templos, onde se legitimam. Enfim, montou uma estrutura para ela própria de criação e reprodução, estrutura, no entanto com casco duro, difícil de penetrar.

Pensando nesse quadro, imagine como as pessoas que vivem na periferia acessam esse tipo de arte. Em geral não acessam, não costumam freqüentar esses espaços, é claro que existem exceções. Ou então acessam em eventos escolares, em que vão de caravana, porém pouco pode apreender desse tipo de excursão, por não contarem – como exposto acima – com uma formação que permita tal apreensão.

Pintado tudo isso, vale dizer como nossa arte é colocada. O Hip Hop, o Rap, principalmente, sempre permaneceram de fora. Visto que ele não é a arte dominante, nem é parte do ciclo de reprodução da estética dominante, nem é a arte que a elite dominante procurou pela história legitimar.

Mas, como não poderia deixar de ser, o Rap foi ganhando força, ao longo de sua história particular, a batalha dos veteranos, seu próprio ciclo de reprodução e percepção o elevaram gradativamente para o status de arte.

Nesta noite em que comecei a descrever, enfim, a arquitetura montada pelos 23 anos de Hip Hop chegou ao centro da elite da estética, ou da estética de elite. O evento Letras em Cena, em que uma peça sobre as guerras que a Espanha passou nos séculos passados, com a invasão da França de Napoleão (século XIX) e depois a Guerra Civil Espanhola (século XX), retratou a defesa que o povo fez aos quadros do museu de Madrid, durante o cerco à cidade, teve a abertura feita pelo Rap.

O povo voltando ao museu, agora não para salvar quadros, mas, com o mesmo espírito de defender sua arte, neste caso o Rap, o Hip Hop. O H2P levou ao palco seu Rap positivo e o Break, enquanto as pessoas entravam no teatro, batidas e letras eram entoadas, e um dos MC´s, dançava Break – de terno.

Quando Assis Chateubriand começou o projeto de criar o Museu de Arte provavelmente não imaginava que as transformações da arte levariam uma arte criada na rua chegar ao centro de excelência. Talvez os que hoje são responsáveis pelo lugar também não.

A genialidade deste momento, no entanto, não está em o Rap fazer parte dessa história em que a burguesia dominadora da arte legitima outro tipo de arte e a fecha em seus centros de excelência. Está no estranhamento, o H2P entrou como estranho, como um estrangeiro no palco, mas na platéia havia pessoas de todos os tipos, os que foram pela arte consagrada e os que foram pela consagração do Rap, e isso gerou uma inversão. O povo que não têm a percepção estética para a arte dominante pôde se perceber na linguagem comum do Rap enquanto os que têm a percepção estética aguçada conseguiram não compreender o Rap em sua completude, pois não é um caso que se resolve com a percepção estética.

Assim, pela primeira vez o Hip Hop entrou no MASP, no centro da arte dominante, fez com que os dominadores da arte não entendessem a arte e fez com que o povo, que geralmente não entende a arte dominante, pudesse ser os únicos a compreender a arte expressa naquele momento. Mais uma brecha foi aberta, as portas entre-abertas, ficaram, pelo menos, uma noite absolutamente abertas para todas as pessoas, por mais comuns que fossem.

Rap no MASP



Ontem foi um dia histórico, pela primeira vez na história da cultura Hip Hop esteve presente um grupo de rap em uma apresentação dentro do MASP. Com a presença de muitos amigos, apresentamos uma performance de Break, BeatBox e tocamos dois dos nossos hits, Viajando por São Paulo e Nus Versos.
O Masp é o local aonde a arte intelectual e elitizada se encontra, o que é apresentado lá é o que a sociedade reconhece como arte. Será que agora o rap é considerado arte?

sábado, 26 de maio de 2007

Sobre a desobediência civil*

Este é um texto de alguns intelectuais - que admiro muito - e fala sobre um método que aprendi a respeitar e que é parte da forma de luta que acredito, a desobediência civil. Neste caso específico fala sobre a ocupação da reitoria da Universidade de São Paulo (USP).

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Diante das manifestações de membros da comunidade acadêmica, inclusive de cientistas sociais, desqualificando a estratégia de desobediência civil e ação direta adotada pelos estudantes da Universidade de São Paulo que ocuparam a reitoria, gostaríamos de chamar atenção para alguns pontos.
Os críticos da ocupação enquanto estratégia argumentam que ela fere não apenas o princípio da legalidade, como também a civilidade e o diálogo e que, portanto, trata-se apenas de uma ação violenta, autoritária e criminosa.

As instituições civilizadas que esses críticos defendem, do voto universal para cargos legislativos até os direitos trabalhistas e as leis de proteção ambiental foram frutos de ações diretas, não mediadas pelas instituições democrático-liberais: foram fruto de greves (num momento em que eram ilegais), de ocupações de fábricas, de bloqueios de ruas. Não é possível defender o valor civilizatório destas conquistas que criaram pequenos bolsões de decência num sistema econômico e político injusto e degradante e esquecer das estratégias utilizadas para conquistá-las. Ou será que tais ações só passam a ser meritórias depois de assimiladas pela ordem dominante e quando já são consideradas inócuas?

As ações diretas que desobedecem o poder político não são um mero uso de força por aqueles que não detêm o poder, mas um uso que aspira mais legitimidade que as ações daqueles que controlam os meios legais de violência. Talvez fosse o caso de lembrar, mesmo para os cientistas sociais, que nossas instituições democrático-liberais são instrumentos de um poder que aspira o monopólio do uso legítimo da violência. Há assim, na desobediência civil, uma disputa de legitimidade entre a ação legal daqueles que controlam a violência do poder do estado e a ação daqueles que fazem uso da desobediência reivindicando uma maior justiça dos propósitos.

Os críticos da ocupação da reitoria, em especial aqueles que partilham do mesmo propósito (a defesa da autonomia universitária), podem questionar se a ocupação está conquistando, por meio da sua estratégia, legitimidade junto à comunidade acadêmica e à sociedade civil. Esse é um dilema que todos que escolhem este tipo de estratégia de luta têm que enfrentar e que os ocupantes estão enfrentando. Mas desqualificar a desobediência civil e a ação direta em nome da legalidade e da civilidade das instituições é desaprender o que a história ensinou. Seria necessário também lembrar que mesmo do ponto de vista da legalidade, nossas instituições não vão tão bem?

Independente de como a ocupação da reitoria termine, ela já conseguiu seu propósito principal: fomentar a discussão sobre a autonomia universitária numa comunidade acadêmica que permaneceu apática por meses às agressões do governo estadual e que só acordou com o rompimento da ordem.

Adma Fadul Muhana, professora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP
Alessandro Soares da Silva, professor da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP
Alvaro Bianchi, professor do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UNICAMP
Ana Carolina Arruda de Toledo Murgel, doutoranda do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UNICAMP
Arley R.Moreno professor do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UNICAMP
Armando Boito, professor do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UNICAMP
Candido Giraldez Vieitez, professor da Faculdade de Filosofia e Ciências da UNESP
Cilaine Alves Cunha, professora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP
Cristiane Maria Cornelia Gottschalk, professora da Faculdade de Educação da USP
Dora Isabel Paiva da Costa, professora da Faculdade de Ciências e Letras da UNESP
Eleutério Fernando da Silva Prado, professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP
Felipe Luiz Gomes e Silva, professor da Faculdade de Ciências e Letras da UNESP
Filippina Chinelli, professora da Faculdade de Filosofia e Ciências da UNESP
Hivy Damasio Araújo Mello, douroranda do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UNICAMP
Homero Santiago, professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP
Isabel Loureiro, professora da Faculdade de Filosofia e Ciências da UNESP
João Adolfo Hansen, professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP
João Bernardo, escritor e professor
João Quartim Moraes, professor do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UNICAMP
Jorge Machado, professor da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP
Laymert Garcia dos Santos, professor do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UNICAMP
Luiz Renato Martins, professor da Escola de Comunicação e Artes da USP
Marcos Barbosa de Oliveira, professor da Faculdade de Educação da USP
Neusa Maria Dal Ri, professora da Faculdade de Filosofia e Ciências da UNESP
Otília Arantes, professora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP
Pablo Ortellado, professor da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP
Paulo Eduardo Arantes, professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP
Ricardo Antunes, professor do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UNICAMP
Ricardo Musse, professor da Facualdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP
Rubens Machado Jr., professor da Escola de Comunicação e Artes da USP
Soraia Ansara, professora da Faculdade Brasílica de São Paulo

*extraido de http://ocupacaousp.noblogs.org

sexta-feira, 25 de maio de 2007

Conduta na Rua

(Tremolo (SNJ), Spaiq (Thaíde - ODDC), Marcão (DMN), Lucas (Filho do Marcão), AD (H2P), Alessandro Buzo, Alexandre Simões (H2P), GTA (Thaíde - ODDC), Gilbart (Thaíde - ODDC), Trutty (Spainy & Trutty) e W-Jay(SNJ))

Está chegando a hora de mais um encontro da cultura Hip Hop, estou falando da segunda edição do projeto Conduta na Rua que acontece amanhã dia 26 de maio de 2007, a partir das 12h no Largo do Paissandú em São Paulo.

Essa foto foi feita no dia 24 de maio no encontro com os representantes dos grupos que se apresentarão no evento como: SNJ, H2P, Thaíde, Spainy & Trutty, DMN e Alessandro Buzo.

Não deixe de comparecer, pois o evento será imperdível.

quinta-feira, 24 de maio de 2007

Indicação de Leitura

Gosto muito desse texto do Cristovam Buarque, sempre que tenho oportunidade releio.

Internacionalização da Amazônia

Fui questionado sobre o que pensava da internacionalização da Amazônia, durante um debate, nos Estados Unidos. O jovem introduziu sua pergunta dizendo que esperava a resposta de um humanista e não de um brasileiro. Foi a primeira vez que um debatedor determinou a ótica humanista como o ponto de partida para uma resposta minha. De fato, como brasileiro eu simplesmente falaria contra a internacionalização da Amazônia.

Por mais que nossos governos não tenham o devido cuidado com esse patrimônio, ele é nosso. Respondi que, como humanista, sentindo o risco da degradação ambiental que sofre a Amazônia, podia imaginar a sua internacionalização, como também de tudo o mais que tem importância para a humanidade.

Se a Amazônia, sob uma ótica humanista, deve ser internacionalizada, internacionalizemos também as reservas de petróleo do mundo inteiro. O petróleo é tão importante para o bem-estar da humanidade quanto a Amazônia é para o nosso futuro. Apesar disso, os donos das reservas sentem-se no direito de aumentar ou diminuir a extração de petróleo e subir ou não o seu preço. Os ricos do mundo, no direito de queimar esse imenso patrimônio da humanidade.

Da mesma forma, o capital financeiro dos países ricos deveria ser internacionalizado. Se a Amazônia é uma reserva para todos os seres humanos, ela não pode ser queimada pela vontade de um dono, ou de um país.

Queimar a Amazônia é tão grave quanto o desemprego provocado pelas decisões arbitrárias dos especuladores globais. Não podemos deixar que as reservas financeiras sirvam para queimar países inteiros na volúpia da especulação.

Antes mesmo da Amazônia, eu gostaria de ver a internacionalização de todos os grandes museus do mundo. O Louvre não deve pertencer apenas à França. Cada museu do mundo é guardião das mais belas peças produzidas pelo gênio humano. Não se pode deixar que esse patrimônio cultural, como o patrimônio natural amazônico, possa ser manipulado e destruído pelo gosto de um proprietário ou de um país. Não faz muito, um milionário japonês decidiu enterrar com ele um quadro de um grande mestre. Antes disso, aquele quadro deveria ter sido internacionalizado.

Durante o encontro em que recebi a pergunta, as Nações Unidas reuniam o Fórum do Milênio, mas alguns presidentes de países tiveram dificuldades em comparecer por constrangimentos na fronteira dos EUA. Por isso, eu disse que Nova York, como sede das Nações Unidas, deveria ser internacionalizada.

Pelo menos Manhatan deveria pertencer a toda a humanidade. Assim como Paris, Veneza, Roma, Londres, Rio de Janeiro, Brasília, Recife, cada cidade, com sua beleza específica, sua história do mundo, deveria pertencer ao mundo inteiro. Se os EUA querem internacionalizar a Amazônia, pelo risco de deixá-la nas mãos de brasileiros, internacionalizemos todos os arsenais nucleares dos EUA. Até porque eles já demonstraram que são capazes de usar essas armas, provocando uma destruição milhares de vezes maior do que as lamentáveis queimadas feitas nas florestas do Brasil.

Nos seus debates, os atuais candidatos à presidência dos EUA têm defendido a idéia de internacionalizar as reservas florestais do mundo em troca da dívida. Comecemos usando essa dívida para garantir que cada criança do mundo tenha possibilidade de ir à escola.

Internacionalizemos as crianças tratando-as, todas elas, não importando o país onde nasceram, como patrimônio que merece cuidados do mundo inteiro. Ainda mais do que merece a Amazônia. Quando os dirigentes tratarem as crianças pobres do mundo como um patrimônio da humanidade, eles não deixarão que elas trabalhem quando deveriam estudar; que morram quando deveriam viver.

Como humanista, aceito defender a internacionalização do mundo. Mas, enquanto o mundo me tratar como brasileiro, lutarei para que a Amazônia seja nossa. Só nossa.

Este artigo foi publicado também no Correio Braziliense em outubro de 2000. O debate a que se refere o senador aconteceu em setembro do mesmo ano em um hotel de Nova York.

Frase da Semana

O líder deve ser benevolente sobre todas as coisas. Deve escutar afavelmente o que as pessoas têm a dizer, e responder com grande sinceridade. Vamos ganhar a confiança através do exercício da "diplomacia humanista"!

Daisaku Ikeda