O quarteto de Rap paulistano H2P subiu ao palco do teatro e pela primeira vez o Rap pôde mostrar a cara no centro da “grande arte”. Local criado para receber os grandes nomes da pintura, da arte, do belo, da estética.
As portas do MASP sempre ficaram entre-abertas para qualquer pessoa, bastando o espectador ter um bom senso de percepção estética. Isso a educação é responsável por criar. Há apenas um problema nessa equação: a educação pública no nível básico não consegue nem chegar perto de formar minimamente senso crítico (em alguns casos, como já mostrado pela grande mídia no Estado de São Paulo, e que é mais grave, a educação pública não consegue nem ensinar a ler e escrever), imagine então incutir percepção estética para a arte!
A arte dominante está exposta naquele museu e os freqüentadores, via de regra, são os dominantes, os que legitimam a arte como arte, seja ela qual for, ou seja, a burguesia que tem poder para dizer que isso ou aquilo é arte freqüenta os museus como o MASP e faz desses espaços, lugares em que apenas a arte deles esteja presente. A arte pela história já enveredou por muitos lugares diferentes, passou por diversas transformações, criou seus meios de se reproduzir e se legitimar, têm seus templos, onde se legitimam. Enfim, montou uma estrutura para ela própria de criação e reprodução, estrutura, no entanto com casco duro, difícil de penetrar.
Pensando nesse quadro, imagine como as pessoas que vivem na periferia acessam esse tipo de arte. Em geral não acessam, não costumam freqüentar esses espaços, é claro que existem exceções. Ou então acessam em eventos escolares, em que vão de caravana, porém pouco pode apreender desse tipo de excursão, por não contarem – como exposto acima – com uma formação que permita tal apreensão.
Pintado tudo isso, vale dizer como nossa arte é colocada. O Hip Hop, o Rap, principalmente, sempre permaneceram de fora. Visto que ele não é a arte dominante, nem é parte do ciclo de reprodução da estética dominante, nem é a arte que a elite dominante procurou pela história legitimar.
Mas, como não poderia deixar de ser, o Rap foi ganhando força, ao longo de sua história particular, a batalha dos veteranos, seu próprio ciclo de reprodução e percepção o elevaram gradativamente para o status de arte.
Nesta noite em que comecei a descrever, enfim, a arquitetura montada pelos 23 anos de Hip Hop chegou ao centro da elite da estética, ou da estética de elite. O evento Letras em Cena, em que uma peça sobre as guerras que a Espanha passou nos séculos passados, com a invasão da França de Napoleão (século XIX) e depois a Guerra Civil Espanhola (século XX), retratou a defesa que o povo fez aos quadros do museu de Madrid, durante o cerco à cidade, teve a abertura feita pelo Rap.
O povo voltando ao museu, agora não para salvar quadros, mas, com o mesmo espírito de defender sua arte, neste caso o Rap, o Hip Hop. O H2P levou ao palco seu Rap positivo e o Break, enquanto as pessoas entravam no teatro, batidas e letras eram entoadas, e um dos MC´s, dançava Break – de terno.
Quando Assis Chateubriand começou o projeto de criar o Museu de Arte provavelmente não imaginava que as transformações da arte levariam uma arte criada na rua chegar ao centro de excelência. Talvez os que hoje são responsáveis pelo lugar também não.
A genialidade deste momento, no entanto, não está
Assim, pela primeira vez o Hip Hop entrou no MASP, no centro da arte dominante, fez com que os dominadores da arte não entendessem a arte e fez com que o povo, que geralmente não entende a arte dominante, pudesse ser os únicos a compreender a arte expressa naquele momento. Mais uma brecha foi aberta, as portas entre-abertas, ficaram, pelo menos, uma noite absolutamente abertas para todas as pessoas, por mais comuns que fossem.